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РЕКЛАМА
Squid Game is back, and so is Player 456. In the gripping Season 2 premiere, Player 456 returns with a vengeance, leading a covert manhunt for the Recruiter. Hosts Phil Yu and Kiera Please dive into Gi-hun’s transformation from victim to vigilante, the Recruiter’s twisted philosophy on fairness, and the dark experiments that continue to haunt the Squid Game. Plus, we touch on the new characters, the enduring trauma of old ones, and Phil and Kiera go head-to-head in a game of Ddakjji. Finally, our resident mortician, Lauren Bowser is back to drop more truth bombs on all things death. SPOILER ALERT! Make sure you watch Squid Game Season 2 Episode 1 before listening on. Let the new games begin! IG - @SquidGameNetflix X (f.k.a. Twitter) - @SquidGame Check out more from Phil Yu @angryasianman , Kiera Please @kieraplease and Lauren Bowser @thebitchinmortician on IG Listen to more from Netflix Podcasts . Squid Game: The Official Podcast is produced by Netflix and The Mash-Up Americans.…
Radar econômico
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Entrevistas com economistas, analistas de mercado, investidores e políticos, para explicar e comentar questões econômicas internacionais. O papel do Brasil e dos países emergentes na economia mundial.
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×O ano de 2025 chega recheado de incertezas na economia global, pontuadas pela guinada protecionista prometida por Donald Trump nos Estados Unidos, a partir de janeiro. No Brasil, a expectativa é se o governo vai conseguir convencer os agentes econômicos sobre a solidez fiscal do país, em meio a uma disparada dos juros ao patamar mais alto em uma década. Instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a OCDE preveem que o crescimento do PIB mundial permanecerá estável, acima de 3%. O economista Renato Baumann, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), resume o quadro para o começo do ano: com a volta de Trump, a única certeza é um conjunto de incertezas. “A questão é que ele é imprevisível. Muito provavelmente a gente vai ver, nos primeiros meses, uma proatividade de mandar imigrantes ilegais de volta para os seus países e um discurso contra o multilateralismo, mas eu não afastaria a possibilidade de uma acomodação a médio prazo”, pondera o pesquisador. “Os custos de adotar tarifas, como ele fala , são custos que não serão menores”, salienta. O futuro presidente americano promete importar menos da China, e o país asiático deve crescer menos em 2025. Pequim já planejou a sua reação e vai se voltar para dentro: o governo chinês anunciou um ambicioso plano de estímulos para aquecer o consumo, aumentar os investimentos e enfrentar a crise imobiliária crônica. Este cenário tem tudo para afetar as importações do Brasil, uma vítima colateral da retomada da provável guerra comercial entre as duas maiores potências globais. Mas também pode representar uma oportunidade para as vendas de minério de ferro, que hoje respondem por cerca de um quarto da pauta de exportações brasileiras para o país. Leia também Os setores na França que não veem a hora de o acordo comercial com o Mercosul sair Dólar alto vai continuar Reginaldo Nogueira, economista e diretor nacional do Ibmec, ressalta ainda que a volta de Trump favorece a moeda americana e a China pode buscar fortalecer o yuan em contrapartida. Resultado: a cotação do dólar não deve baixar tão cedo em relação ao real. “Teremos um período em que o dólar vai continuar forte , e os países vulneráveis, entre eles o Brasil aparece disparado em 2025, serão aqueles que vão sofrer mais”, observa. “A pressão cambial sobre o Brasil vai continuar porque nós estamos com a jugular exposta, com déficit fiscal e déficit externo, simultaneamente. Isso deixa o país como um alvo muito claro para pressões cambiais.” No cenário interno, 2025 começa com desconfiança sobre os rumos da política fiscal, depois que o governo anunciou um pacote de ajuste considerado tímido demais, ao prever R$ 70 bilhões de economias em dois anos. Nogueira vê sinais de uma economia superaquecida pelo consumo, que têm levado o país a se afastar cada vez mais da meta de inflação, de 3%. Choque de juros Para frear esse ciclo, o Banco Central antecipou que a subida da taxa básica de juros não deve parar tão cedo. O atual índice em dezembro, de 12,25%, alça o Brasil ao país à posição de segundo maior juro real do mundo, atrás apenas da Turquia, e à frente da Rússia. “Acho que a pergunta que fica para 25 é o quão alto os juros precisarão chegar para que a gente tenha um cenário de inflação mais estável. Isso vai depender fundamentalmente da política fiscal”, afirma o diretor do Ibmec. “Se o governo seguir com um ajuste de 30 bilhões em 2025, provavelmente os juros terão que ir para perto de 15%, isso vai despencar o investimento privado e a gente vai ter uma situação, em termos de crescimento, muito mais complicada – não só em 25, mas também em 26”, antecipa. A previsão atual de crescimento brasileiro no próximo ano gira em torno de 2%, bem abaixo dos 3,3% projetados para 2024. Alguns economistas, como na Fundação Dom Cabral, avaliam que um quadro de estagflação pode estar se desenhando – ou seja, crescimento fraco, inflação elevada e desemprego em alta. Mas Renato Baumann, do Ipea, prefere olhar o futuro com mais otimismo. “Eu não sei se chega a estagflação. A expectativa é de um desempenho da economia brasileira menos brilhante, se é que esse ano foi brilhante. Mas nos últimos dois anos, sempre houve uma superação de expectativas para o lado positivo”, ressalta. “Há quem diga que isso foi inflado por um excesso de transferências de renda que não é sustentável, mas está por ver-se como vai ser. A economia brasileira é muito diversificada e sempre surpreende – para cima ou para baixo.”…
A assinatura do acordo de livre comércio entre os países do Mercosul e da União Europeia causa, oficialmente, reações negativas da França, mas também leva diversos setores econômicos do país a celebrar. Industriais em variadas áreas e fabricantes de produtos agroalimentares, como vinhos e queijos, não veem a hora de o tratado entrar em vigor. Lúcia Müzell , da RFI em Paris O barulho dos agricultores franceses, que prometem continuar a bloquear a ratificação do acordo, abafa o entusiasmo dos produtores de vinho – ansiosos pela ampliação dos mercados de exportação para países onde o consumo está em plena ascensão, como na América Latina. Jean-Marie Fabre, presidente do Vignerons Indépendants de France, federação sindical que representa 60% da produção francesa e 65% das receitas, ressalta que, enquanto a União Europeia reluta, países produtores como a Austrália, os Estados Unidos e a África do Sul aceleram os acordos comerciais para diminuir os impostos sobre os vinhos exportados. "Eu peço que a gente assine este acordo, porque o dia em que conseguirmos baixar a zero as tarifas alfandegárias, que hoje são de 27% para os nossos produtos, nós ganharemos com certeza uma grande participação de mercado. Poderemos melhorar o desempenho econômico do nosso setor, mas também da França”, avalia. A Vignerons Indépendants reúne pequenos, médios e grandes produtores, para os quais as exportações representam cerca de 35% das vendas. Noventa por cento deles vendem para outros países da União Europeia e 81% para mercados externos ao bloco. Fabre cita o exemplo do acordo em vigor com o Japão, que permitiu aos viticultores franceses aumentarem 10% do volume de exportações ao país asiático. A expectativa é ainda mais favorável com os latino-americanos e, em especial, o Brasil . “O Brasil é um país onde o consumo avança a um ritmo de dois dígitos, de 12%, 15%. O Paraguai e o Uruguai estão bem mais atrás. Eu acho que, num primeiro momento, o impulso vai ser relativamente fraco em termos de volume, mas nos próximos 10 a 15 anos, será uma zona do mundo importante de consumo de vinhos e destilados”, espera. "Nós percebemos que é nestes mercados emergentes que a França não deve perder mais tempo e ficar atrasada ou prejudicada por regras de comércio diferentes dos seus concorrentes.” Vinho, carro-chefe do setor agrícola francês O setor vinícola é o que apresenta, de longe, o melhor desempenho da agricultura francesa. O vinho tem um peso importante no comércio exterior do país: situa-se logo atrás do setor aeronáutico e em pé de igualdade com o luxo, duas atividades que também festejam a assinatura do acordo comercial com o Mercosul, assim como as indústrias química, automotiva, farmacêutica e cosmética. Leia também Críticas de CEO do Carrefour à carne brasileira ilustram ‘falta de visão’, em meio a crise do varejo na França No ramo alimentar, os fabricantes de produtos transformados e laticínios se somam à lista, mas a rusga dos pecuaristas contra a carne latino-americana leva os produtores de derivados do leite a serem mais discretos quanto à aprovação do acordo. Quarenta mil toneladas de queijo e 10 mil de leite em pó passarão a entrar no Mercosul com imposto zero, dez anos após a entrada em vigor do tratado. “O princípio de um acordo é que seja olhado em uma escala global. Não podemos olhar uma corporação em particular, senão nunca vamos assinar nada, e estou bastante persuadido que, no fundo, o governo francês sabe que este tratado seria benéfico para França”, indica o economista especialista em comércio internacional Jean-Marie Cardebat, professor da Universidade de Bordeaux. "Neste momento, a política francesa está bastante lamentável e por razões de cálculos eleitorais mesquinhos, vamos derrubar um acordo que é extremamente importante para a economia francesa”, lamenta. Acordo é equilibrado e favorece os dois lados, diz professor A volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, trazendo com ele o aumento das tarifas de importação no país, são uma razão a mais para a França não menosprezar os benefícios do tratado com o Mercosul, avalia o economista. “Este acordo tem uma dupla importância, e muito além do setor dos vinhos. Primeiro, a importância simbólica, em um mundo cada vez mais protecionista, ele é um ato de abertura de mercados que me parece importante e enviaremos uma mensagem para o resto do mundo: a Europa e o Mercosul vão continuar no jogo do comércio mundial”, considera Cardebat. "E segundo, do ponto de vista econômico, todos os modelos, tanto no Brasil, quanto na Europa, indicaram que é um acordo ganha-ganha, sem assimetrias ou desequilíbrios." O caminho até a ratificação do acordo assinado no dia 6 de dezembro promete ser longo. Na Europa, o texto precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, os órgãos decisórios da UE. Por enquanto, não há prazo para a sua entrada em vigor. A redução das tarifas prevista no texto poderá ser imediata ou gradual, de quatro a até 15 anos, conforme o setor. A termo, mais de 90% das exportações europeias para o Mercosul serão beneficiadas, no que será uma das maiores áreas de livre comércio do mundo. O bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai representa um mercado de 270 milhões de consumidores – 80% deles estão no Brasil. Atualmente, o país é 27º destino das exportações francesas.…
Em dois terços do planeta, a renovação de geração não está garantida – a queda da natalidade não é mais um problema apenas nos países ricos, mas se generaliza pelo mundo e atinge até os países em desenvolvimento. Especialistas alertam: a aceleração das políticas de igualdade de gêneros é uma das chaves para combater essa tendência e evitar que o envelhecimento das populações esvazie a força de trabalho ativa e vire uma bomba nos orçamentos públicos. Há dois séculos, a queda da mortalidade levou à diminuição da fecundidade nos países do norte – uma evolução que agora se replica em todos os lugares do planeta. “ É um movimento generalizado , que leva a humanidade a mudar o seu regime demográfico. Os casais desejam ter menos filhos para garantir a eles uma vida melhor do que a que eles próprios tiveram, uma vida de qualidade”, explicou o especialista francês Gilles Pison, conselheiro da direção do Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França e autor de Atlas da População Mundial ( tradução livre ). “Em lugar nenhum do mundo é mais possível ter seis ou sete filhos e que todos possam frequentar boas escolas, tenham diplomas e uma boa profissão”, esclareceu, ao programa Débat du Jour , da RFI . Atualmente, quase 70% da população mundial vive em um país onde a taxa de fecundidade por mulher é inferior a 2,1 crianças, segundo a ONU. A média mundial é um pouco acima, de 2,25, puxada pelos índices ainda elevados em regiões da África, Oceania e Ásia. Mas também nestes lugares, assim como nas Américas, a tendência é de queda até o fim do século, depois que a população global atingir o seu pico em 2080. O economista David Duhamel, professor-associado da Sciences Po Paris, salienta que o processo de transição demográfica acompanha o desenvolvimento econômico de um país. “Depende da urbanização – na cidade, fazemos menos filhos do que no campo – e da educação – as adolescentes não pensam muito em filhos quando elas estão no ensino médio, e ainda menos quando chegam à universidade. O que é interessante, nos últimos anos, é que o desenvolvimento demográfico está andando muito mais rápido do que o desenvolvimento econômico”, indicou. “Estamos vemos países que ainda são emergentes, como a Tailândia, terem índices demográficos semelhantes aos de um país como a Alemanha”, afirmou. Como relançar a fecundidade? Duhamel sublinha que o mundo em envelhecimento demanda um novo olhar sobre as pessoas com mais de 60 anos, que devem ser cada vez mais ser vistas como um recurso para a economia, e não um fardo, e sobre as minorias em idade economicamente ativa, incluindo os imigrantes. Já as pistas para relançar a fecundidade passam pela diminuição das desigualdades e por políticas de habitação que viabilizem o projeto de ter filhos de jovens casais nas zonas urbanas, menciona o economista. A velocidade com que países emergentes e em desenvolvimento começaram a ver os seus índices de natalidade cair surpreendeu especialistas – um fenômeno diretamente ligado ao ingresso e à ascensão das mulheres no mercado de trabalho, frisou Duhamel. “A escolha de ter um filho sempre foi uma escolha econômica, só que antes as mulheres pagavam exclusivamente por essa escolha, em silêncio. Elas não aceitam mais isso, não aceitam mais não compartilhar essa conta, no trabalho como em casa”, salientou. “Hoje elas têm mais escolhas – e isso é formidável: podem escolher dizer não, escolher ter uma carreira ou se retirar dessa divisão desigual sobre a maternidade. O caminho para reencontrarmos a fecundidade é pelo compartilhamento mais igualitário possível do preço de ter um filho”, avalia. Maior equilíbrio também em casa Assim, alguns países como a Coreia do Sul , que não aceleraram as políticas de apoio à carreira das jovens mães, veem sua natalidade despencar ao índice crítico de 0,6 criança por mulher. Isso significa que, estatisticamente, seis pessoas são substituídas por apenas uma criança sul-coreana atualmente. Não à toa, as nações europeias com maior taxa de fecundidade são os que promovem medidas para permitir as mães de seguirem uma carreira, tornar o mercado de trabalho mais justo para elas e estimular também o melhor equilíbrio nas tarefas domésticas, ressaltou o demógrafo Gilles Pison. “As italianas hesitam em namorar e se casar porque elas sabem que é uma engrenagem que vai levá-las a ter um filho e, se elas tiverem um, haverá a pressão da família e da sociedade para que elas parem de trabalhar para cuidar da criança. E elas não querem uma vida como a da mãe e da avó delas”, constatou. “A situação é a mesma no leste asiático e até na China ”, comparou. Leia também França tem menor número de nascimentos desde 2ª Guerra Mundial Na Índia, país mais populoso do mundo, a taxa de fecundidade já está inferior a duas crianças por mulher. Os Estados Unidos vivem a baixa histórica de 1,64. Um estudo da revista científica The Lancet antecipa que, em 2100, 70% das crianças nascerão em um país pobre.…
1 Críticas de CEO do Carrefour à carne brasileira ilustram ‘falta de visão’, em meio a crise do varejo na França 7:11
O impacto negativo dos comentários do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, sobre a carne produzida no Mercosul pode custar caro para o grupo, que tem no Brasil o seu maior mercado fora da Europa. Há dois anos, ao celebrar a compra do concorrente BIG e quase dobrar a presença no país, Bompard dizia que “o futuro do grupo será escrito, em grande parte, no Brasil e na América Latina”. Lúcia Müzell , da RFI em Paris A escolha estratégica de apostar as fichas no país emergente se deu em um momento em que o modelo de hipermercados entrou em crise na França. “O Brasil está, mais do que nunca, no coração do grupo”, disse o CEO em junho de 2022. A aquisição do BIG do Walmart levou o Carrefour a se tornar o maior empregador privado no Brasil, com 130 mil funcionários. "Globalmente, o Brasil é extremamente importante para o Carrefour , principalmente num momento em que ele enfrenta questionamentos sobre o modelo dos hipermercados no mercado francês, e que funcionam bem no Brasil. O país é um elemento essencial para o desenvolvimento da empresa, ainda mais que o grupo perdeu mercados no exterior nos últimos anos", afirma o pesquisador Jean-François Notebaert, professor de gestão da Escola de Administração da Universidade da Borgonha. "Acho que Bompard quis confortar os agricultores franceses, mas não teve uma visão internacional do grupo", avalia. A atuação no Brasil representa um quinto do faturamento total do grupo francês, conforme balanço do terceiro trimestre. Marcos Gouvêa, um dos maiores especialistas da área do país, concorda que faltou visão para o executivo francês. "Nesse processo que nós temos vivido, de desglobalização do varejo físico, com o crescimento do varejo digital e a metaglobalização do varejo digital, a representatividade do mercado brasileiro mereceria, no mínimo, muito mais reflexão antes de uma manifestação como foi feita", comenta Gouvêa. "Fica fácil ver quem sai ganhando: são os concorrentes do Carrefour". O Brasil é o maior produtor mundial de carne e abastece também as unidades da rede francesa em outros países do mundo. Com os comentários, Bompard acabou preso na própria armadilha. "A comunicação dele também causa problemas no sentido de que Bompard considera que esta carne não corresponde às normas do mercado francês , mas e os outros países europeus nos quais Carrefour está implantado, como Portugal, Espanha, Itália ou Polônia? Ele vai continuar vendendo esta carne que ele considera não corresponder às normas francesas?", questiona Jean-François Notebaert. França quase não compra carne brasileira Nos últimos anos, o mercado europeu se tornou menos relevante para as vendas brasileiras de carnes, em detrimento do chinês. A União Europeia compra menos de 4% do volume exportado, e a França responde por uma quantidade insignificante, de 0,66% do total vendido para a UE. O bloco europeu permanece uma potência exportadora de proteína animal, e não o contrário. Na carne bovina, ainda mais: 85% do que é consumido na França tem origem no próprio bloco. Ou seja, as declarações de Bompard buscavam confortar um mercado nacional que praticamente já não consome carne brasileira. O CEO parece ter esquecido deste contexto quando prometeu que não venderá nos supermercados na França carne proveniente dos países do Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai –, mesmo se o acordo comercial entre a União Europeia e o bloco sul-americano for ratificado e baratear o custo destes produtos. Na sequência, outra grande rede varejista francesa, a Intermarché – que não atua no Brasil – também assumiu o mesmo compromisso. A tomada de posição de Bompard enfureceu produtores, frigoríficos, consumidores e até o governo brasileiro, em um movimento de união bastante raro em torno do setor. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que Brasília “não vai admitir” que a qualidade da carne brasileira seja questionada. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, acrescentou que espera “uma resposta clara” do Congresso, dos empresários e da população brasileira ao “protecionismo exagerado da França”. Leia também Le Parisien diz que o Brasil é "incapaz" de comprovar a qualidade da carne exportada para a UE Marcos Gouvêa, diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, especializada em varejo, consumo e distribuição, lembra que algumas das principais redes que atuam no Brasil são francesas , em diversos segmentos – uma parceria fortalecida a partir dos anos 1990. "Tem muito mais presença relevante de varejo francês no Brasil do que de qualquer outro país, inclusive Estados Unidos. De alguma maneira, tudo isso, em uma visão míope, foi ignorado e se ateve, exclusivamente, a uma questão de ficar bem com o produtor francês", observa o analista e consultor. "Eu não diria que abala a confiança nesta parceria, mas cria uma consciência de que este jogo de proteção está acima do que se percebia, no dia a dia. Se tem uma virtude, pelo lado brasileiro, é que despertou uma consciência sobre a realidade desse jogo, que envolve proteções de mercado, acordos políticos e até sustentação de governo ", opina. Desde a semana passada, vídeos nas redes sociais conclamavam os clientes a boicotarem as lojas do grupo, num movimento que ganhou força e levou à adesão dos principais frigoríficos, como JBS e Marfrig, que suspenderam as entregas a cerca de 150 lojas da rede francesa. Depois de negar desabastecimento de carnes e ressaltar que os comentários do CEO global referiam-se apenas ao mercado francês, o Grupo Carrefour Brasil reconheceu que o boicote “impacta os clientes”. Nesta terça-feira, Alexandre Bompart enviou um pedido de desculpas ao ministro Fávaro ( leia abaixo ). Incoerências nas prateleiras Mas para o professor Jean-François Notebaert, o episódio evidencia as incoerências da rede francesa na questão ambiental – um paradoxo que contribui para abalar a imagem dos hipermercados na França, aos olhos dos consumidores locais. Alguns dias antes de dizer que queria apoiar os agricultores, ao recusar a carne do Mercosul, o Carrefour francês vendia cordeiro importado da Nova Zelândia a €10 o quilo. "Fica difícil de compreender a lógica. Com este caso, percebemos toda a dificuldade do varejo de manter uma posição coerente. Em uma mesma prateleira, encontramos muitas ambiguidades. Afinal, qual é o modelo que os grandes grupos de varejo apoiam? Se é da produção intensiva, os rebanhos franceses são, em grande parte, alimentados pela soja brasileira, responsável por desmatamento da Amazônia", explica o pesquisador. "Então, até onde ele vai para defender uma agricultura de qualidade? Ou ele vai defender uma agricultura extensiva, mais sustentável, aqui também? O varejo não sabe como se posicionar diante desses desafios impostos ao setor agrícola e às orientações que ele deseja dar na França".…
Enquanto o mundo se mobiliza para promover a economia de baixo carbono, falta mão de obra qualificada para realizar o isolamento térmico dos prédios, fabricar veículos elétricos ou para desenvolver, instalar e manter painéis solares e parques eólicos. Apesar do futuro promissor, na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil a formação de profissionais ligados à transição energética ainda é insuficiente e não dá conta da demanda crescente. Em 2023, o setor gerou um recorde de 2,5 milhões de empregos no mundo, segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A alta representa 18% a mais de vagas em apenas um ano, chegando a 16,2 milhões de trabalhadores – principalmente na China, em plena disparada da indústria fotovoltaica para a energia solar, da qual é líder mundial . A Agência Internacional de Energia (AIE) antecipa que, até 2030, 30 milhões de vagas deverão ser preenchidas nestas indústrias em todo o planeta. Não é diferente no Brasil, onde a parte das fotovoltaicas quadruplicou e hoje responde por 20% da matriz elétrica brasileira. O setor gerou mais de 1,4 milhão de empregos desde 2012, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). “A tendência é continuar crescendo. Algumas projeções indicam que a solar fotovoltaica vai representar 50% da nossa matriz elétrica. Mas a gente percebe uma escassez de mão de obra qualificada – não somente para cargos de gestão, como para a fábrica, para a instalação dos sistemas, por profissionais que sejam formados para isso”, afirma Bárbara Rubim, vice-presidente da entidade. Leia também Como o Reino Unido conseguiu ser o primeiro país desenvolvido a se livrar da energia a carvão “Num cenário de médio prazo, o setor de energia vai demandar cada vez mais um profissional com um perfil plural, que consiga entender a parte técnica, mas também tenha uma visão mais ampla de desenvolvimento e de país – até para conseguir pensar melhor o futuro das empresas num setor, e também num país, que têm mudado tanto”, salienta. Fuga de cérebros Rubim reconhece que a escassez de profissionais desacelera o potencial de desenvolvimento das renováveis no país. Outro problema é a fuga de cérebros: num contexto em que sobram empregos na área nos países ricos, como nos Estados Unidos, o Brasil nem sempre têm conseguido segurar os seus talentos. “A fuga de cérebros se torna um problema sobretudo quando a gente olha a pesquisa e desenvolvimento, que já é uma dor crônica do nosso país. Sem dúvida alguma, a reindustrialização verde também perde um pouco de força”, indica a vice-presidente da Absolar. Na Alemanha ou na França, potências europeias, as empresas buscam, ainda nas universidades e em cursos técnicos, os formandos nestas áreas. Raphael Ameslant, funcionário de uma multinacional de parques eólicos offshore, também dá aulas no Instituto Universitário de Tecnologia de Saint Nazaire, na Bretanha, onde aproveita para recrutar futuros funcionários. “Sempre precisei de técnicos em manutenção e agora está complicado de encontrar bons. Tenho buscado me envolver nos cursos para poder, ao mesmo tempo, buscar estudantes que poderão se tornar técnicos”, disse a Justine Fontaine, da RFI . “Todos aqui já têm contratos assinados.” Faltam alunos O planejamento da França em matéria de redução de emissões de gases de efeito estufa dá respaldo a quem apostar nesta área: a perspectiva do país é de pelo menos triplicar a produção de energia eólica no solo ou no mar, nos próximos 10 anos. Hoje, entretanto, o interesse dos estudantes ainda é baixo. “Fiz um cálculo rápido e isso representa oportunidades para cerca de 600 pessoas por ano, apenas na área de exploração e manutenção. Mas neste ano, teremos apenas 12 diplomados aqui”, lamentou Patrick Guérin, diretor do curso. “Nós ampliamos a nossa capacidade das turmas em 2024, mas o número de candidaturas não subiu. Não compreendo muito bem por quê.” Para Barbara Rubim, da Absolar, a questão é também geracional: até pouco tempo atrás, escolher a área de energia significava trabalhar com petróleo e gás. A transição energética em curso tende a mostrar que as renováveis serão, cada vez mais, uma aposta no futuro. Leia também COP28: dependente do carvão, África do Sul ilustra desafio da transição energética em países emergentes…
Na reta final antes das eleições presidenciais americanas, os rumos da maior economia do planeta impactam o Brasil, que tem nos Estados Unidos o seu segundo maior parceiro comercial. Os fluxos internacionais de investimentos e as taxas de juros e de câmbio também são influenciados diretamente pelo que acontece no país, que em 5 de novembro vai escolher entre a continuidade, representada pela democrata Kamala Harris, ou a volta do republicano Donald Trump à Casa Branca. Lúcia Müzell, da RFI em Paris Na política, dois projetos antagônicos se enfrentam nas urnas. Na economia, nem tanto: os dois candidatos pretendem estimular a atividade econômica , uma por meio mais gastos públicos, com transferência de renda e estímulos para setores como a inovação e a sustentabilidade, e o outro por cortes de impostos em favor das empresas. A maior diferença é que Donald Trump assume o viés protecionista do seu programa de governo: planeja impor taxas pesadas sobre determinadas importações, que chegariam a até 60% sobre os produtos fabricados na China. No seu primeiro governo, o republicano lançou uma guerra comercial com o concorrente asiático e adicionou 25% de sobretaxas às mercadorias chinesas. Um eventual segundo mandato Trump tende a ser ainda mais protecionista, avalia Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, em São Paulo – e o Brasil estaria à mercê das consequências indiretas dessas medidas: “Tem estudos que mostram que o crescimento da economia chinesa poderia reduzir 2 pontos percentuais. Qualquer coisa que aconteça com a China acaba tendo impacto sobre países emergentes exportadores de commodities”, afirma. “Eu acho que por conta desse aspecto específico, a Kamala Harris seria mais favorável para o Brasil”, avalia Leal. Comércio bilateral O impacto direto na relação bilateral é menos claro. Os Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações brasileiras, incluindo alguns itens industrializados como aço e laminados, que já foram alvo de alta de tarifas alfandegárias no primeiro governo Trump. Mas se novas medidas se concentrarem na China, poderia haver espaço para aumentar a participação brasileira no mercado americano, atualmente de apenas 1,2%, segundo números da ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos). Em 2023, a corrente de comércio foi de quase US$ 75 bilhões – valor que representa uma pequena fração das transações americanas, de mais de US$ 7 trilhões. “O Brasil está longe de ser um parceiro super-relevante para os Estados Unidos. Antes do Brasil, é muito mais importante China, Europa, México, Canadá, países do lado dos Estados Unidos”, destaca o economista William Castro Alves, estrategista- chefe da corretora Avenue, em Miami. “Muito se fala que o Trump pode ser ruim e a Kamala pode ser mais favorável, mas dentro da pauta dos candidatos, seja quem quer que seja e mesmo se for o Trump, o Brasil não está na prioridade. Quando o Trump fala em ‘make America great again’, ele está muito mais se endereçando à China e ao próprio México”, lembra. Leia também Câmbio alto prejudica viagens para o exterior; real não deve se fortalecer tão cedo O Brasil vende principalmente matérias-primas como petróleo bruto, ferro e aço, café e celulose, além de aeronaves, e compra dos Estados Unidos produtos industriais e relacionados à energia, como combustíveis refinados e gás natural, ou ainda fertilizantes. Também importa aeronaves e instrumentos médicos. Os americanos são, há mais 10 anos, os principais investidores estrangeiros no Brasil, responsáveis por um quarto do total de investimentos estrangeiros diretos no país. Uma vitória de Kamala Harris tende a manter este status quo , nota Luís Otávio Leal. “Ela caiu meio de paraquedas na campanha. Eu acho que só mais do meio para o final do mandato é que ela imprimiria uma marca mais personalista dela, e a gente não sabe qual seria”, pontua o economista-chefe da G5 Partners. “Ela foi uma vice-presidente apagada e a gente realmente não sabe o que ela pensa em relação à economia, ao comércio exterior.” Mercados se preparam para qualquer cenário Quanto aos mercados financeiros, o aumento das incertezas ligadas a uma vitória de Trump poderia gerar um movimento de fuga de capitais dos Estados Unidos que, em tese, beneficiaria outros países e potencialmente o Brasil. A desvalorização do dólar, que se estabilizou há meses em um patamar elevado em relação ao real, seria um dos efeitos possíveis. Entretanto, se o republicano for eleito e concretizar o projeto de desregulamentação da economia e diminuição massiva de impostos, o efeito seria o oposto: os Estados Unidos poderiam atrair ainda mais capital externo. Leal salienta que as políticas protecionistas e o endurecimento do combate à imigração tendem a impulsionar a inflação no país, o que também não é bom para o Brasil. “Se você tem menos espaço para a redução dos juros pelo Fed [Banco Central americano], tem menos dinheiro circulando na economia mundial e, consequentemente, sobra menos dinheiro para o Brasil”, ressalta. William Castro Alves observa que a fraca volatilidade das bolsas americanas nestas semanas precedentes à eleição ilustra que a vitória de um ou de outro parece já estar assimilada pelos mercados financeiros. A experiência do primeiro governo Trump mostrou que, na prática, não é tão fácil para o líder republicano cumprir suas promessas, principalmente se não puder contar com apoio do Congresso. “Esse ano já sendo atípico neste sentido: a volatilidade está baixa em ano eleitoral, e normalmente é alta. Em cenário de volatilidade e incertezas, normalmente a bolsa não rompe máximas históricas, ela fica para cima e para baixo, chacoalhando – e também não estamos vendo isso”, frisa Castro Alves.…
1 Sob impulso russo, Brics aceleram pagamentos sem dólar, mas moeda própria ainda é sonho distante 7:48
Anfitriã da cúpula do Brics este ano, a Rússia quer aproveitar a reunião de chefes de Estado dos países emergentes para impulsionar os projetos de sistemas financeiros alternativos ao dólar. A criação de uma moeda única do bloco, entretanto, ainda é um sonho distante, que esbarra na grande assimetria econômica e geopolítica entre os seus integrantes. Os líderes do Brics se reunirão em Kazan, no oeste russo, na próxima semana, e discutirão diferentes projetos de mecanismos financeiros alternativos ao dólar no comércio intrabloco: o Brics Pay, equivalente à plataforma internacional de pagamentos Swift, o Brics Bridge, sistema baseado em blockchain que interligaria os respectivos bancos centrais, e a eventual moeda comum dos Brics. "A ideia é se liberar de algumas amarras que, para eles, não têm mais muita razão de existir, dado o peso econômico destes países. Eles veem como algo quase irracional: por que deveríamos ainda precisar tanto do dólar para as nossas transações entre nós, entre Brasil e China, por exemplo?”, afirma Carl Grekou, economista especialista em finanças do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais (CEPII), em Paris. "Para muitos deles, o aspecto antidólar não conta tanto quanto o objetivo de apenas simplificar as coisas. Mas por trás disso tudo, tem a Rússia que claramente quer forçar a barra , afinal ela é alvo de sanções." Desafio da expansão do Brics Até agora, 32 países confirmaram presença no evento, na continuidade do processo de abertura do grupo iniciado na última cúpula, quando cinco novos membros se associaram oficialmente ao Brics – Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã, Egito e Etiópia. A expansão complexifica ainda mais um projeto que já não era fácil de concretizar: se, por um lado, os aspectos técnicos são relativamente simples de viabilizar, a coesão interna de países tão diversos e apegados à sua soberania é uma barreira importante a ser superada. "Mas eu acredito que, dentro de um horizonte de alguns anos, se tenha um avanço considerável para intensificar essas transações. Estes exemplos têm uma base técnica que já é bastante controlável, já se tem um domínio dessas técnicas”, destaca Marcelo Milan, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). "Resta a questão do direcionamento, de intensificar os fluxos em uma direção ou outra, para que o bloco possa criar mecanismos para que os arranjos de pagamentos sejam feitos cada vez mais com referência nas moedas nacionais e, se um dia for possível, nessa moeda comum", aponta Milan. Leia também Turquia solicita oficialmente adesão ao Brics para se emancipar da UE e dos EUA Peso desproporcional da China O maior problema rumo à moeda própria é que pressuporia uma preponderância do yuan chinês, dado o peso desproporcional de Pequim dentro do grupo. A maioria dos países rejeitaria a ideia de assumir o yuan como principal referência e em especial a Índia, garante o pesquisador Julien Vercueil, ligado ao Departamento de Comércio Internacional do Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais (Inalco) da França. “Envolve muito engajamento político e econômico, a possibilidade de terem de enfrentar choques assimétricos, de viabilizarem grandes transferências de riquezas de um país para o outro. Ainda estamos muito longe desse tipo de configuração dentro dos Brics, sem mencionar o fato de que eles não estão nada sincronizados nos seus ciclos econômicos, ao contrário do que temos na Europa com o euro, por exemplo”, resume. "Ou seja, eles teriam problemas econômicos insuperáveis para adotar esta moeda.” Especialista na economia russa, Vercueil avalia, entretanto, que os Brics tentarão passar como sendo já moeda própria os outros dois projetos mais avançados – para os quais o sistema Cips chinês parece servir de modelo. O Cips (China International Payement System) já começou a se interligar aos bancos centrais de alguns países do grupo de emergentes. "Enquanto eles decidem se uma das moedas nacionais poderia substituir o dólar – afinal, os países não querem substituir a hegemonia do dólar por uma outra –, eles definem que tipo de unidade de conta e meios de pagamentos poderiam ser utilizados”, explica o pesquisador do Inalco. O contexto geopolítico atual, com as pesadas sanções ocidentais à Rússia, além da presença de outro recém ingresso membro do Brics, o Irã, levou os membros do bloco a acelerarem uma solução alternativa ao dólar e ao sistema Swift, do qual Moscou foi banido. O país acumula grandes excedentes comerciais e monetários desde o início da guerra na Ucrânia. “O projeto segue o seu curso e, muito provavelmente, deverá sair uma vez que eles conseguirem validar os seus sistemas de pagamentos. Quando eles forem bem operacionais, poderão até chegar a uma moeda Brics”, observa Carl Grekou. "Mas uma das principais funções de uma moeda é a de reserva de valor. Será que os países do Brics terão algum interesse em ter as outras moedas uns dos outros para além das questões comerciais? Este é o ponto que focaliza as atenções e que, potencialmente fará com que o dólar continuará a ter um papel central." Hegemonia do dólar Hoje, pelo menos 85% das transações comerciais e financeiras internacionais são feitas em dólar. Sobram no máximo 15% para moedas seguras como euro, libra esterlina, yen ou franco suíço. Apesar do seu uso ter crescido, o yuan é presente em no máximo 2,5% das trocas mundiais. Porém, uma vez que o sistema de pagamentos do Brics se consolidar, os países membros – grandes produtores de matérias-primas valiosas, como petróleo e metais raros – poderiam optar por abrir mão da moeda americana nessas transações. “A gente está sempre muito focado na China, mas a Índia também tem um peso significativo. Na medida em que os países do bloco passem a utilizar as próprias moedas e reduzirem o papel do dólar, vai ter um impacto econômico importante, com desdobramento político também, com a capacidade de eles se financiarem com custo baixo – como os Estados Unidos fazem, com o uso internacional do dólar”, frisa Marcelo Milan. A 16ª cúpula do Brics ocorrerá de 22 a 24 de outubro. Até o momento, 24 chefes de Estado confirmaram presença no evento, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.…
A fast fashion no mundo globalizado derruba algumas das marcas mais tradicionais do prêt-à-porter da França, berço de ícones da moda mundial. A crise no setor não vem de agora – desde o início dos anos 2010, as fabricantes francesas de vestuário e calçados sofrem com a concorrência do comércio online, ao qual demoraram a se adaptar. A pandemia e os novos modos de consumo que dela decorreram aceleraram uma tendência de declínio que já estava instalada no país, revela um estudo do Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee). Em 2020, as vendas de roupas no país despencaram 22,6% e as de calçados, 19,8%, ao mesmo tempo em que o varejo em geral só recuou 2,5%. Na sequência, o crescimento das vendas se manteve inferior a 1%. Este contexto, afirma o Insee, explica a queda brusca do número de lojas no país: de -18% das butiques de roupas e -26% das de calçados, entre 2014 e 2021. “Tem uma correção de mercado que se opera desde 2013. Ela continua e, infelizmente, não temos razão para pensar que ela terminou”, constata Gildas Minvielle, diretor do Observatório Econômico do Instituto Francês da Moda. O especialista salienta que a moda francesa demorou a acreditar na força do comércio online – e perdeu tempo ao focar os investimentos em novas lojas físicas, em vez de no desenvolvimento de sites modernos. Depois, os anos de inflação alta e queda do poder aquisitivo levaram os consumidores a serem mais sensíveis ao fator preço. O golpe final veio da China, com a chegada avassaladora das plataformas Shein e Temu no mercado europeu, desafiando os valores praticados pelas marcas de fast fashion bem implantadas no bloco, como a sueca H&M, as espanholas Zara e Mango e a irlandesa Primark. “ Quando vemos atores como Shein, que chegam e tomam conta do mercado de uma forma muito agressiva , deveríamos poder controlar melhor o fato de que os consumidores aqui não tenham de pagar direitos de importação. Isso não é normal”, aponta Minvielle. “Mas, para ser totalmente honesto, não tenho certeza de que isso mudaria alguma coisa, até porque a Shein não é única que derrubou os preços.” Num contexto de concorrência cada vez mais feroz, na França o prêt-à-porter de baixo e médio custo é o mais atingido, vítima direta desta nova configuração. Redes como Camaïeu, Kookai, Naf-Naf, Pimkie e GoSport ou faliram, ou foram obrigadas a só operar pela internet. No ramo calçadista, as tradicionais André e San Marina enfrentam o mesmo destino. Roupas de segunda mão já pesam no mercado A emergência do fenômeno das compras de segunda mão, em lojas físicas como pela internet, também já impacta o desempenho do mercado de roupas e calçados novos. As vendas de usados pesavam, em 2022, entre US$ 100 e US$ 120 bilhões, em nível mundial, de acordo com um estudo da consultoria Boston Consulting Groupe (BCG) realizado a pedido da plataforma francesa Vestiaire Collective, um dos principais nomes da revenda de segunda mão no país. O volume representa três de 3% a 5% do total do setor e triplicou desde 2020. Segundo este relatório, nos próximos anos, as compras de peças usadas poderão atingir 40% do mercado, impulsionadas pelos jovens. Nos países europeus, a faixa etária de até 30 anos já se acostumou a só comprar em brechós ou em plataformas especializadas, em busca de preços mais baixos e peças exclusivas, mas também por preocupação com o impacto ambiental do consumo . Numa tentativa de se adaptar à tendência, a maioria das grandes lojas francesas – entre elas a famosa Galeries Lafayette – instalou um “canto das usadas”. No espaço, as clientes podem comprar e revender as suas peças da marca. Aposta na qualidade francesa Gildas Minvielle avalia, entretanto, que o prêt-à-porter novo ainda tem dias promissores pela frente, à condição de apostar na qualidade e em subcategorias mais especializadas, como moda sustentável , marinha ou o chamado luxo acessível. “Não são volumes como os da Camaïeu, da Zara ou da H&M, claro. Mas temos muitas marcas fortes em todas as gamas de preços. Não acho que tenhamos uma gama que esteja condenada a desaparecer”, aposta o diretor do Observatório Econômico do Instituto Francês da Moda. “Elas precisarão se distinguir, num mercado complexo e com muita concorrência, mas não é impossível.” Outro conselho do especialista é investir mais na comunicação sobre as condições de fabricação dos produtos franceses, incluindo as normas ambientais, e sobre a importância do apoio às marcas nacionais para a economia do país. “Acho que pode ser o futuro da moda e espero que haverá várias empresas que vão se distinguir das produções ‘ low cost ’, como Shein e Temu, e estarão atentas à qualidade. O setor de alimentação viu acontecer essa revolução: hoje os franceses são muito mais sensíveis à origem dos produtos que consomem”, ressalta Minvielle.…
1 Lei antidesmatamento e queimadas podem ser ‘bola da vez’ para manter acordo UE-Mercosul travado 6:47
O Brasil tenta acelerar as negociações do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul até o fim deste ano. Mas do lado dos europeus, dois argumentos ligados à atualidade têm potencial de continuar travando a finalização do texto: a entrada em vigor de uma lei antidesmatamento importado no bloco, prevista para janeiro de 2025, e os incêndios florestais em curso em diversas regiões brasileiras. Lúcia Müzell, da RFI em Paris O tema tem sido evocado pelo Itamaraty e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva , em conversas com Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Olaf Scholz , chanceler da Alemanha – país favorável ao tratado. A série de queimadas nos biomas brasileiros se tornam um argumento a mais para aqueles que se opõem há anos à ratificação do texto na Europa, em especial o setor agrícola. “ O que está acontecendo no Brasil quase que justifica a regulação europeia sobre o desmatamento . Eu não a considero como um instrumento protecionista. Qualquer regulação pode ser usada de uma maneira protecionista, mas eu acho que ela tem uma motivação legítima ambiental, climática”, alega Pedro da Motta Veiga, diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), focado em política externa brasileira. “Na ausência de algum tipo de regulação multilateral ou acordada entre os países, eu entendo que a União Europeia tenha resolvido estabelecer um papel pioneiro de estabelecer uma legislação unilateral relativa às importações para os seus países-membros”, analisa. Bloqueio permanente A última rodada oficial de negociações do acordo foi realizada em Brasília, no começo de setembro, sob protestos de entidades representativas dos agricultores franceses, holandeses ou irlandeses. O diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, ex-embaixador na missão brasileira junto à União Europeia, é um dos mais experientes negociadores em tratados comerciais em nome do Brasil e do Mercosul – e estava no posto quando as negociações foram suspensas, em 2004. Ele demonstra pouca esperança de ver os entraves ao acordo serem superados um dia. “Sempre tem e sempre terá, porque essas controvérsias não vão desaparecer. E aí o acordo fica no limbo”, constata. “Enquanto existir a Política Agrícola Comum (PAC) europeia, não tem expectativas de comércio mais livre para os produtos agrícolas de fora da União Europeia. É uma total impossibilidade.” O atual momento político na Europa também não é favorável, com a ascensão da extrema direita nacionalista em diversos países. Em plena crise política, tudo que a França não quer é reavivar um tema tão polêmico quanto a associação comercial com o Mercosul . Além disso, o novo primeiro-ministro francês, o conservador Michel Barnier , seria pessoalmente contrário à conclusão do tratado, segundo o site Euractif apurou com aliados do premiê. Barnier foi o negociador-chefe europeu para o Brexit e é apegado às chamadas cláusulas-espelho, que determinam a reciprocidade entre as duas partes. Rejeição do acordo pelo PT O projeto foi lançado há quase 25 anos, passou cerca de 12 anos paralisado e, por fim, só foi concluído durante o segundo ano de governo de Jair Bolsonaro , em 2019. Entretanto, a etapa seguinte, da ratificação pelos Parlamentos dos países membros dos dois blocos, jamais se concretizou, no contexto da disparada do desmatamento na Amazônia. As negociações foram reabertas após a troca de governo no Brasil, em 2022. Na visão de Motta Veiga, a responsabilidade pelo fracasso até agora é partilhada pelos dois lados. Depois de a União Europeia exigir a inclusão do combate ao desmatamento no texto, o Brasil impôs uma nova lista de condições em contrapartida, como restrições de acesso às compras governamentais nos países do Mercosul. O especialista lembra que as gestões petistas sempre se opuseram ao avanço das tratativas – e afirma duvidar quando o presidente diz desejar fechar o texto até dezembro. “Eu não sei se o Brasil espera isso. Eu sou muito cético sobre a disposição da diplomacia brasileira e os governos do PT de fechar acordos com países desenvolvidos. É uma coisa rejeitada pelo PT por princípio”, salienta. “Na verdade, eles não fazem acordos com ninguém, nem com o Mercosul , que é priorizado por eles. Então eu acho que é muito da boca para fora: Lula pode perfeitamente ficar dizendo que quer acordo, porque de qualquer forma os europeus provavelmente não o querem”. O diplomata José Graça Lima vai além: avalia a própria pertinência no pacto, que não criaria mais comércio entre os dois blocos regionais, dadas as restrições que o texto negociado impõe. Os automóveis europeus, por exemplo, só teriam acesso facilitado ao mercado sul-americano 16 anos depois da entrada em vigor do tratado. “É claro que há um interesse de todas as partes de vender algo que, na verdade, não existe, que é a criação de um mercado consumidor de milhões de pessoas. Mas mesmo na vigência deste acordo, a União Europeia não vai ter melhores condições de acesso do que a China, por uma questão de custos de produção, de competitividade”, avalia o ex-embaixador. “Do ponto de vista agrícola, há um engessamento de uma situação que é discutível, eu diria até ilegal à luz da OMC [Organização Mundial do Comércio], afinal o acordo estabelece cotas para produtos brasileiros – que ainda podem ser afetados por uma lei antidesmatamento, cuja operacionalidade é muito discutível. Ela estabelece o precedente de uma restrição que pode prejudicar o Brasil nos outros mercados”, adverte. Outros países também pedem adiamento No começo de setembro, os ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, encaminharam à Comissão Europeia uma carta para pedir o adiamento da lei no bloco, considerada “punitiva” aos países produtores de commodities como o Brasil. Eles alegam que a medida poderia afetar 30% das exportações à Europa, o equivalente a 15 bilhões de dólares (R$ 83,5 bilhões). A iniciativa brasileira foi criticada por organizações ambientalistas, que afirmam que o país poderia, ao contrário, se beneficiar desta legislação para acelerar a preservação das florestas . O Brasil não é o único insatisfeito com a nova legislação, adotada para aumentar a rastreabilidade da cadeia produtiva e, assim, combater o desmatamento nos países exportadores para a União Europeia. Os Estados Unidos já tinham feito solicitação semelhante, e outros países africanos e asiáticos demonstram a mesma preocupação com a sua implementação, cujos detalhes não estariam esclarecidos. Alegam, ainda, que os trâmites burocráticos dentro da UE ainda não estão finalizados.…
Quem viaja para o exterior a turismo ou faz negócios internacionais começa a se acostumar com o câmbio alto: o dólar e euro em relação ao real subiram no início do ano, dispararam em junho e não baixaram mais. A queda dos juros nos Estados Unidos deve estancar esse movimento, mas não bastará para fazer o real se valorizar. A moeda americana tem oscilado entre R$ 5,60 e R$ 5,65, ante a cerca de R$ 5 em 2023. Já a europeia é cotada acima de R$ 6,2 – em torno de R$ 0,85 a mais do que no ano passado. O aumento tem pesado no bolso dos turistas que viajam ao exterior, nota a presidente da Agência Brasileira das Agências de Viagem (Abav), Ana Carolina Medeiros. “A procura não diminuiu, mas a gente percebe que mudaram as escolhas como o tipo de assento no avião, na classe executiva ou na econômica, uma diferença na hotelaria, que fica bem mais restrita para o cliente poder economizar. Ele também muda para outro destino que seja um pouco mais em conta", assinala. "Nós temos buscado, junto aos fornecedores, por mais facilidade de pagamento, como parcelamento no cartão", diz Medeiros. A expectativa da queda da taxa de juros nos Estados Unidos, que se arrastou ao longo do ano, foi a principal justificativa para a valorização do dólar no primeiro semestre, e em relação não apenas ao real. O peso mexicano chegou a perder 18%. “Quase sempre, os fatores externos são dominantes, mas a moeda brasileira, como as emergentes de maneira geral, tem se comportado um pouco pior neste mundo com tantas incertezas e riscos, relacionadas à reversão do ciclo monetário que começa no mundo desenvolvido e também pela eleição americana”, salienta Livio Ribeiro, professor e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas e sócio da BRCG Consultoria. Ciclo de queda de juros nos EUA Nesta quarta, as peças podem começar a se mexer no xadrez do câmbio: o mundo está de olho na reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), para uma aguardada decisão sobre o início de um ciclo de redução dos juros pelo Banco Central americano (Fed). O mercado espera um primeiro corte de pelo menos 0,25 ponto percentual nesta quarta-feira – o que já favorece a procura pelas moedas das grandes economias, inclusive o euro. “No DXY, índice que mede o dólar em relação a outras moedas, principalmente de mercados de desenvolvidos, já podemos ver que o yen está com um peso forte”, nota Thais Batista, gestora de portfolios na Schelcher Prince Gestion, em Paris, onde é especializada em mercados emergentes. “A gente vê que o dólar, no ano, está caindo agora. Já está negativo, provavelmente por causa da força do yen.” Mas a conjuntura externa não é a única explicação para o real desvalorizado. Aspectos internos no Brasil acentuam a queda: incertezas sobre a situação fiscal do país, ingerências do governo na governança do Banco Central e dúvidas sobre a próxima presidência da instituição são alguns dos fatores que pressionam a moeda nacional. “O investidor local vive com esse bicho-papão da inflação há décadas e isso influencia muito o câmbio por conta do contexto interno. As questões estruturais do Brasil ainda estão pesando na moeda e nos cenários que os investidores fazem”, observa Batista. “A gente precisaria que eles pintassem um quadro um pouco melhor para o país para justificar uma alta significante do real.” Impacto no Brasil Por isso, não se espera uma mudança significativa do câmbio para os próximos meses. A instabilidade no México favorece a maior procura pelo real, entre as economias latino-americanas, e a provável nova alta da taxa básica no Brasil, que também deve ser decidida esta semana, tende a estancar a desvalorização da moeda brasileira. “A gente tem uma economia que está se mostrando mais forte do que as pessoas imaginavam, com um mercado de trabalho forte e a economia como um todo crescendo bastante, principalmente nos setores de serviços e consumo interno. Tem uma política fiscal expansionista e talvez o reconhecimento de que a política monetária possa ter passado do ponto", explica Ribeiro. "O corte que levou a Selic até 10,5 está se mostrando excessivo, dados os parâmetros nos quais a política monetária é discutida no Brasil.” Para Thais Baptista, entretanto, se voltar a subir a Selic, o país “irá na contramão do mundo”. “Todos os Bancos Centrais do mundo estão baixando as suas taxas de juros, com exceção de três: Japão, Marrocos e Brasil”, indica a gestora da Schelcher Prince Gestion. Para ela, o BC poderá fazer este movimento para “comprar” a credibilidade do investidor no país após a série de percalços entre o governo federal e a instituição, no primeiro semestre do ano.…
Desde o bloqueio da rede X no Brasil pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, empresários alegam que a medida prejudica o clima de negócios no país. A decisão traria um ambiente de “insegurança institucional” para as empresas que operam no Brasil e poderia afugentar investimentos estrangeiros. Moraes suspendeu as operações e o uso da plataforma em território brasileiro depois que o X se recusou a nomear um representante legal no país, num contexto de suspeita de que a rede estimula a disseminação de conteúdos falsos e discursos de ódio. O dono da rede, o bilionário americano Elon Musk, fomenta há meses um embate com o ministro do STF, que ele acusa de tentar censurar a rede. O caso gerou repercussão mundial – e ocorre uma semana depois do dono da plataforma Telegram, Pavel Durov, ser detido em Paris por descumprir ordens judiciais. “O mercado brasileiro pode ser penalizado se alguns atores internacionais estimarem que o acesso está mais difícil. Isso pode criar, a médio e longo prazo, efeitos negativos”, reconhece Julien Maldonato, diretor de digital trust da auditoria Deloitte. “Mas um país deve poder tentar manter uma forma de soberania em alguns assuntos, seja de negócios ou da gestão da comunicação e da informação. É preciso tentar encontrar um equilíbrio dinâmico, porque ao longo do tempo, esses equilíbrios serão sempre questionados.” Tentativas de controle afetou investimentos na China Apesar de inúmeras tentativas pelo mundo, o controle das plataformas digitais se tornou quase impossível – nem os países abertamente autoritários conseguem, salienta Nathalie Janson, professora associada de Finanças da Neoma Business School, em Rennes. “Levanta dúvidas sobre a capacidade das empresas multinacionais poderem fazer negócios nestes países, se as regras podem mudar de um dia para o outro. É uma questão colocada há uns 10 anos na China, aliás, que tem um governo autoritário”, explica a especialista em finanças digitais. “Depois dos problemas com o empresário Jack Ma e diversas proibições de atuação, o clima de negócios se tornou, evidentemente, desfavorável – e a China teve uma baixa dos investimentos estrangeiros. Então, acho que a questão é legítima no Brasil.” A professora evoca a delicada fronteira da liberdade de expressão, que pode entrar em conflitos com diferentes leis dos países. Janson destaca que em muitos deles, o X salvou vidas e ajudou a combater regimes opressivos. “A pressão por maior regulação é importante ao gerar debate, para as pessoas saberem por que estão querendo regular as plataformas. Porém, eu não acho que essa pressão terá um impacto maior do que o já vimos na Europa, que conseguiu aprovar o Digital Services Act.” Para Musk, dois pesos, duas medidas O caso de Elon Musk tem uma especificidade em relação a outras redes sociais: o bilionário faz uso político da plataforma que comprou em 2022. Ele faz campanha pelo candidato republicano Donald Trump nos Estados Unidos e, de forma mais ampla, milita contra a esquerda. Musk escolheu a dedo os pedidos judiciais ou de governo que recusaria – em 80% dos casos pelo mundo, acatou sem alarde as solicitações oficiais de suspensão ou fechamento de contas no X, observa Maldonato. “Estamos vivendo estes novos equilíbrios, nos quais as potências tecnológicas chegam a ter mais poder e impacto que um Estado. Musk pode se servir dessa força tecnológica e capitalista que ele tem para influenciar correntes de pensamento no seu próprio país e no exterior”, afirma o consultor francês. “Ele acha que existe praticamente só um caminho, a corrente de um mercado muito livre e libertário, e que só haverá progresso desta forma.” A confrontação Musk x Moraes no Brasil impulsionou o crescimento de uma rede social concorrente, o Bluesky, que passou de 6 para 8 milhões de usuários em pouco mais de três dias. Nathalie Janson, entretanto, demonstra ceticismo quanto ao fim da hegemonia do ex-Twitter, anunciada desde que a rede foi comprada pelo controverso bilionário. “Vimos que os movimentos alternativos, como o Mastodon, não foram muito longe na concorrência. Tenho a impressão de que acontecerá a mesma coisa no Brasil”, avalia. “É claro que é bom e é sadio que haja concorrência, mas acho que o Twitter vai continuar sendo a rede de referência, apesar das suas confusões com a Justiça.” Julien Maldonato considera a possibilidade de as redes operarem mais “em forma de arquipélago”, ou seja, com mais diversidade, conforme os interesses dos usuários. “Mas a diversidade pode levar à fragmentação e ao isolamento – poderemos ter pequenas ilhas digitais que talvez não se falarão mais entre elas. Seria lamentável, mas não esqueçamos que a tendência das pessoas sempre foi evoluir das fraturas: elas acabam por reunir para alcançarem escala e tamanho maiores”, salienta ele.…
Os Jogos Paralímpicos trazem à luz os desafios da acessibilidade para as pessoas com deficiência. Por trás do desempenho dos campeões, está uma vasta cadeia especializada em melhorar não apenas a performance dos atletas, mas também o cotidiano das pessoas com deficiência. Mas o evento também ilustra o quanto o acesso dos países às melhores tecnologias é desigual. Até agora, mais de 1,9 milhão de ingressos já foram vendidos para os Jogos Paraolímpicos de Paris 2024 , de um total de 2,5 milhões postos à venda. Com 22 modalidades, a metade da Olimpíada, o evento não desfruta do mesmo prestígio, mas representa um momento único para promover avanços para cadeirantes, cegos e outros. Um exemplo: apenas 3% da vasta rede de metrô de Paris oferece acessibilidade plena , uma fragilidade que será exposta agora que a cidade espera receber 350 mil visitantes com deficiência durante o megaevento. A realização dos Jogos Paralímpicos força o país a olhar para problemas que costumam ser invisíveis para a maioria dos cidadãos, empresas e tomadores de decisões, aponta Juliette Pinon, pesquisadora do Instituto de Administração de Empresas da Sorbonne, em entrevista à emissora France Culture. Pinon desenvolve uma tese sobre a dimensão inclusiva do legado de Paris 2024. “Temos um eixo material, sobre coisas que ouvimos falar muito agora, como transportes, infraestruturas e equipamentos esportivos para o evento e para o cotidiano dessas pessoas. E temos o eixo imaterial: a sensibilização para as pessoas com deficiência, a mudança de olhar sobre elas”, afirma a pesquisadora. “É um momento chave para a França, cujas políticas públicas para as pessoas com deficiência foram criticadas por diferentes instâncias, em especial organismos internacionais, pelas violações dos direitos das pessoas nessa situação.” Diferenças entre delegações Na Vila Paralímpica, adaptada para receber os 4,4 mil atletas, um centro de revisão e consertos de próteses, cadeiras de rodas e outros equipamentos opera com 164 funcionários do grupo alemão Ottobock, parceiro do Comitê Paralímpico Internacional desde os Jogos de Seul, em 1988. O local é uma amostra de toda uma cadeia que melhora as condições de vida dessas pessoas. O diretor técnico das instalações, Bertrand Azori, relata que as visitas ao centro evidenciam o fosso que existe entre as delegações de países ricos e pobres, onde o acesso a tecnologias mais avançadas é baixo. “Já teve prótese feita com cano de encanamento, de plástico, cumprindo o papel do alongamento da prótese. E a gente sempre tem que encontrar uma solução”, comenta, à RFI . “Tem próteses improvisadas, outras que vemos que foram consertadas em casa. Há próteses de joelhos que não víamos há mais de 30 anos, e neste caso somos obrigados a trocar porque aqui temos tudo que precisamos para consertar, mas tem uns modelos que nem saberíamos como fazer para consertar.” O centro dispõe de cerca de 60 cadeiras de rodas para empréstimo, tem 15 mil peças no estoque e impressoras 3D que podem fabricar novas. O arqueiro francês Damien Letulle passou para verificar as rodas da sua cadeira, a poucos dias do início das competições paralímpicas. “Eles são muito competentes e vemos como eles prestam atenção em cada detalhe. A gente já tem que estar muito concentrado e não devemos estar preocupados com um probleminha técnico que nos atrapalharia”, diz o atleta. “Eles fazem de tudo para que a gente possa estar com a cabeça fria para praticar a nossa modalidade da melhor forma.” Tecnologia da Airbus a serviço dos atletas No ambiente da alta performance das Paralimpíadas, a tecnologia pode fazer toda a diferença – e pode vir de pesos-pesados do setor, independentemente da área de atuação principal. A quase 700 quilômetros ao sul de Paris, o laboratório de inovações da fabricante de aviões Airbus desenvolveu 30 equipamentos paralímpicos em parceria com a Agência Nacional do Esporte francês, como bicicletas melhor adaptadas ou um punho que torna a prática de esgrima mais eficiente pelo atleta. Uma placa na entrada anuncia o objetivo: “o lugar onde as ideias ganham vida”. “Para termos aviões ultramodernos, precisamos das mesmas competências: cálculos de estruturas, de estresse dos materiais, que sejam ultraleves, mas ultrarresistentes. Se transportarmos todo o nosso conhecimento em aerodinamismo e em materiais para outra área, o resultado para uma alta performance vai estar lá”, explica Christophe Debard, diretor do ProtoSpace e ele próprio usuário de uma prótese na perna direita. O produto que acaba de ficar pronto é um tipo de meia que cobrirá a prótese de corrida do campeão mundial de paratriatlo Alexis Hanquiquant, tornando-a aerodinâmica. “Utilizamos os nossos programas de cálculo aerodinâmico para criar um modelo que otimize a penetração do ar na prótese e faça o atleta ganhar precioso segundos quando ele for passar para a bicicleta. Aqui nós buscarmos esses ganhos marginais, esses segundinhos que podem representar ter medalha ou não, ou passar de uma medalha de prata para uma de ouro”, salienta Debard. Os Jogos Paralímpicos de 2024 começam nesta quarta-feira (28) e vão até 8 de setembro.…
A realização da Olimpíada em Paris oferece oportunidades profissionais inéditas para brasileiros instalados na França – mas também impacta negativamente no trabalho daqueles que não atuarão diretamente no evento. Os meses de verão costumam ser a alta temporada para o turismo na capital francesa. Este ano, entretanto, uma estranha calmaria tomou conta do setor. Lúcia Müzell, da RFI em Paris A fotógrafa e videomaker Camilla Cepeda trabalha há oito anos registrando a visita de estrangeiros de passagem pela cidade. Mas desta vez, o turista tradicional, que vai a Paris para conhecer ou voltar aos principais monumentos, preferiu antecipar a viagem para escapar do agito dos Jogos Olímpicos ou adiá-la para depois que os cartões postais forem devolvidos à cidade, a partir de setembro. Camilla já se preparava para uma queda da demanda , já que vários dos principais pontos turísticos parisienses estão ocupados para as competições e os preços da viagem dispararam. "Muitas agências de turismo que são minhas parceiras no Brasil e mandam clientes para cá me disseram que não embarcaram o público esperado”, relata. A goiana tem em mente o impacto dos Jogos de Londres para a capital britânica, há 12 anos: o megaevento esportivo acabou assustando a clientela típica que vai à Europa aproveitar os meses de verão. "Tenho alguns trabalhos agendados de pessoas que já tinham feito o planejamento da viagem para a Olimpíada. Ou seja, é um outro perfil de cliente que eu vou atender neste período. Não é o perfil habitual do turista que vem e consome Paris em todos os quesitos, desde restaurantes, moda, shopping”, indica a fotógrafa. "O turista que virá a partir da semana que vem é o turista esportivo. Vai ter, mas será pontual: nada comparado ao movimento de julho turístico de Paris." Na falta de clientes, opção é mostrar a cidade na 'versão olímpica' A mineira Karine Naves organiza roteiros turísticos para brasileiros em Paris desde 2017 – e chega à mesma conclusão. "Em julho, costuma ser o momento em que eu mais trabalho, eu e outros colegas guias. Mas esse ano está sendo atípico, por causa das Olimpíadas”, constata. "Tudo está muito mais caro, as pessoas estão com dúvidas de como vai ser, sobre as dificuldades de locomoção em Paris, as estações de metrô fechadas. Eu vejo que os hotéis estão vazios , não só de brasileiros, mas de outras nacionalidades”, afirma. Ao perceber que a demanda estaria em queda, Karine não hesitou: decidiu curtir o período ao lado de clientes que se tornaram amigos e estarão na cidade. "Eu me dei esse tempo para eu poder aproveitar mais as Olimpíadas e não só estar trabalhando", afirma. De quebra, ela tem mostrado a preparação de Paris para os Jogos para os seus seguidores nas redes sociais. Virada à vista? Nessas horas, nada como a experiência para superar os altos e baixos do métier. Vivendo há quase 30 anos na França, a pernambucana Adriana Leal traz na bagagem da vida outros megaeventos sediados na cidade, como a Copa de 1998 e a Eurocopa de 2016. A aposta dela é que ainda ocorrerá uma virada na situação. "A gente tem que ter um pouco de calma, sangue frio. Talvez porque eu tenha jogado basquete, eu aguento a pressão e deixo que o jogo comece. Quando o juiz apita e o jogo começa, aí vai!”, compara. "Então estou esperando que, no sábado, depois da abertura , as coisas comecem a evoluir de uma forma mais positiva para o tamanho do evento que temos pela frente”, prevê. Adriana organiza e recepciona turistas estrangeiros e conta com uma rede de motoristas que, como ela, já têm “gingado" para atender a um volume de trabalho que poderá surgir de última hora. "O brasileiro gosta de decidir muitas coisas em cima da hora. E quando o show começa , eles ficam animados com o que veem e acabam vindo, até porque surgem promoções ou pacotes interessantes”, diz. "De repente, um dia antes eles me avisam: “tô chegando e quero isso e isso", e do nada surgem três ou quatro carros de uma vez só que eu tenho que disponibilizar para dali a três horas." Trabalhar na organização do evento é oportunidade única Já para aqueles brasileiros envolvidos na realização das Olimpíadas, a ‘correria' já está intensa há meses. A delegação do Brasil ocupará três grandes espaços relacionados ao evento: os alojamentos da Vila Olímpica, para os atletas; a Casa Brasil – onde ocorrerão eventos abertos ao público, no parque de La Villette –, e o castelo de Saint-Ouen, a 600 metros da Vila Olímpica e que servirá de base de apoio para o Time Brasil. No castelo, monumento histórico da cidade ao norte de Paris, quem estará no comando dos fogões para o tradicional feijão com arroz de cada dia é a cozinheira e empreendedora Sarah Lima . Há 12 anos na capital francesa, a paulista foi selecionada pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para coordenar o serviço de alimentação dos atletas brasileiros. "Para mim é um desafio muito grande porque é um dos projetos mais longos em que eu já trabalhei e tem toda uma logística específica para este projeto. Ele é mais cheio de detalhes, protocolos, mas está sendo uma experiência muito legal e gratificante para mim e a equipe”, salienta. Setor da alimentação brasileira no exterior Mais de 30 pessoas estão envolvidas ao seu lado nesta missão, entre elas 25 novos cozinheiros brasileiros que foram formados para trabalhar no castelo. Alguns deles, revela Sarah, já começavam a abandonar o sonho de viver na França. “Isso trouxe esperança para eles de um horizonte diferente, de sair de trabalhos como limpeza, construção civil. Isso está permitindo a eles terem outros objetivos e perspectivas profissionais aqui na França”, comemora. “Tem alguns que estão realmente abraçando a oportunidade com muita vontade de aprendizado e evolução. Para mim, o mais gratificante é isso, é ver que estou conseguindo dar oportunidade e uma visão de futuro para 25 imigrantes." Para manter a Casa Brasil abastecida com brigadeiros, a sul-matogrossense Claudia Silva também teve que triplicar o número de ajudantes para enrolar os docinhos. Ela estima que o volume da produção será sete vezes maior que o habitual da clientela na França, onde vive desde 2012 graças ao trabalho como confeiteira de especialidades brasileiras. "É surreal, um volume nunca antes feito. E a gente sempre pende para contratar brasileiros”, ressalta. "É um período bem bacana para a gente poder divulgar o nosso trabalho e ser mais conhecido, um período fantástico e com certeza nós colheremos mais frutos dele, a longo prazo.”…
O que parecia ser uma oportunidade de ouro para os negócios se revela, na verdade, um prejuízo: as Olimpíadas de Paris decepcionam diversos serviços dependentes do turismo, que viram a frequentação de visitantes cair nas semanas anteriores ao evento e ainda temem o pior. Comerciantes e gerentes de hotéis e restaurantes evocam o impacto da série de restrições ao trânsito na cidade e o medo dos preços altos, que parecem afugentar os turistas habituais da alta temporada. Lúcia Müzell, da RFI em Paris O tempo chuvoso e fresco neste início de verão parisiense também não colabora. Julho não tem sido um bom mês na comparação com os outros anos, garante Franck Delveau, presidente da União das Profissões e da Indústria Hoteleiras. Ele lamenta a expectativa de apenas 70% de ocupação dos hotéis na capital francesa. "Muita gente desistiu de vir a Paris por causa dos problemas para circular na cidade, com muitas obras. Sem falar do clima político na França hoje – que, preciso destacar, contribui para atrapalhar a vinda dos turistas”, aponta. "A Olimpíada vai trazer 1 milhão ou 1,3 milhão de turistas estrangeiros. Nos tempos normais, costumam vir de 3,5 milhões a 4 milhões no verão." A fuga dos turistas não chega a ser uma surpresa: as imagens da cidade-sede virada do avesso para a realização das Olimpíadas geram efeito negativo nos meses que precedem o evento, um fenômeno já tinha sido verificado nos Jogos de Londres, em 2012. Em junho, as receitas do turismo em Paris caíram 25,4% em relação ao mesmo mês em 2023, conforme apurou a consultoria MKG Consulting, especializada no setor. O preço médio das diárias de hotel recuou 14,5%, impactado também pela queda do turismo de negócios. Paris acabou riscada do mapa para a realização de outros eventos empresariais e de instituições. A companhia Air France nota essa baixa nos seus aviões, mais vazios neste verão. A empresa antecipa que as receitas serão de € 160 milhões a € 180 milhões menores nesta temporada, na comparação com o verão passado. Obras, grades e bloqueios afastam turistas Em pleno coração de Paris, os comércios, cafés e restaurantes acostumados a receber milhares de pessoas por dia veem a Olimpíada como uma decepção. Não bastassem as grades provisórias instaladas por toda a região central para a programação olímpica , o garçom Laurent mal consegue acreditar que banheiros químicos serão colocados bem em frente ao café onde trabalha. “Para a gente, é um desencanto, porque aquilo que deveria ser um evento convivial se tornou uma Paris vazia”, resume, à reportagem da RFI . "Visualmente, o resultado aqui é lamentável. Não estamos conseguindo atrair gente para as mesas na rua, porque ninguém quer ficar instalado na frente de uma grade dessas. Ninguém quer ver isso quando vem conhecer a cidade e apreciar a beleza de Paris”, afirma o garçom. O frequentado mercado de flores Elisabeth II, na ilha de la Cité e a poucos metros da catedral de Notre Dame, não poderá abrir na véspera e no dia da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Em toda a cidade, 10% dos tradicionais mercados ao ar livre serão atingidos pelo evento. "Nós seremos obrigados a fechar porque não terá ninguém. Tudo vai estar bloqueado. Eles já começaram a cortar o acesso às pontes”, diz a florista Betty. "Como vamos poder trabalhar, e como faremos para pagar os nossos aluguéis, para comer, afinal ninguém aqui é grande empresário. Somos todos pequenos comerciantes”, questiona Betty, que vai exigir da prefeitura compensações pelos prejuízos. Cerimônia de abertura fecha margens do rio Sena A cerimônia de abertura, no dia 26 de julho, acontecerá em um formato inédito, ao ar livre no rio Sena, e vai exigir um esquema de segurança também excepcional. A partir desta semana, apenas moradores e trabalhadores na região terão acesso às margens do rio, depois de obterem autorização dos serviços policiais. Turistas e visitantes também precisarão se cadastrar e apresentar documentos – uma "burocracia" que tem tudo para atrapalhar a frequentação, teme Audrey Azoulay, dona de uma joalheria na famosa rua de Rivoli. "Por enquanto, não sei exatamente como vai funcionar. Só sei que para chegar aqui, será necessário apresentar um QR code”, indica a lojista. "O acesso a várias estações de metrô está fechado e as pessoas precisariam caminhar uns 10 minutos a mais para vir aqui. Vai ser fácil para os turistas que estarão em hotéis perto, mas para todos os outros, acho que vai ser complicado. Estou apreensiva." Aluguéis por temporada decepcionaram Não são apenas os comerciantes profissionais que ficaram desiludidos. A empreendedora Camille aluga há quatro anos o seu apartamento nos períodos de alta temporada em Paris, quando ela própria sai de férias com a família. Mas, desta vez, foi bem mais difícil emplacar, garante. "Foi muito atípico para nós não conseguirmos alugar nos finais de semana anteriores à Olimpíada, em junho e julho, e isso que colocamos no preço normal que sempre alugamos. Esse efeito eu também pude constatar no meu trabalho, junto a chefs de cozinha parisienses, que infelizmente não estão tendo uma grande frequentação dos seus restaurantes”, garante. "E até meu marido, que trabalha no setor dos museus, constata que a clientela atualmente é basicamente francesa. Tudo isso confirma que talvez o turismo vá se concentrar apenas nos dias da Olimpíada e tenha fugido daqui no restante da temporada”, conclui a empreendedora. Com colaboração de Arthur Ponchelet, da RFI em francês…
Com a chegada do verão e de, literalmente, milhões de turistas pelas cidades espanholas, habitantes de grandes metrópoles, como Barcelona, e de vilarejos menores, como Cadix e nas ilhas Canárias, também saem às ruas – mas não é para visitar monumentos. Fartos do turismo de massa, os moradores protestam para exigir medidas de restrição aos visitantes, ainda que a movimentação do setor gere cada vez mais riquezas para as economias locais. Na manifestação em Barcelona, os cartazes traziam palavras nada amigáveis: “Turistas, vão embora”, “É a nossa cidade, não o seu parque de diversões”. Basta um curto passeio nos fins de semana para entender as razões de tanta animosidade: as tradicionais ramblas ficam saturadas entre tanta gente e vendedores de lembrancinhas. A Espanha é o segundo país mais visitado do mundo , atrás da França. Este ano, as receitas do setor devem bater um novo recorde e chegar a € 202 bilhões, antecipa o organismo estatal Exceltur. Em entrevista à RFI , Eva Doya Le Besnerais, representante do governo regional da Catalunha na França, ressalta que 70% dos catalães são favoráveis aos incentivos para o turismo, mas as pesquisas mostram que a metade da população gostaria de mais regulação. "Evidentemente que o turismo é uma fonte de riquezas para a Catalunha, de cerca de 10% do PIB da região. Mas se pensamos nos 8 milhões de habitantes, o número de turistas é considerável: são 2 milhões por mês”, observa. "O impacto que essas duas milhões de pessoas geram precisa ser considerado e esse é o papel do poder público." Impacto no mercado imobiliário Sujeira, poluição sonora, saturação dos transportes e uso excessivo da água pública são alguns dos efeitos mais negativos da presença de visitantes em massa. A consequência mais nociva para o bolso dos moradores é no mercado imobiliário. "Moradias que antes eram usadas como habitação permanente agora são destinadas só para o turismo. Por isso é preciso regular e foi o que fizemos, com um decreto, depois que observamos que em 262 localidades da Catalunha, havia aluguéis turísticos demais”, defende Le Besnerais. "O parque imobiliário disponível passou a ser insuficiente para as pessoas que vivem nestes lugares e o mercado ficou sob muita tensão.” Na capital catalã, os aluguéis subiram quase 70% em 10 anos, o que levou a prefeitura a adotar uma reação radical: proibir a plataforma AirBnb na cidade a partir de 2028, de modo a liberar 10 mil apartamentos para a venda ou aluguel com contratos mais longos. Diversas cidades europeias, como Paris, Londres ou Berlim, impõem um limite máximo de curta locação anual dos imóveis. Amsterdã adota série de medidas antiturismo Outra cidade cada vez mais incomodada com a presença excessiva de turistas – 20 milhões por ano – é a holandesa Amsterdã. Facilmente acessível de trem ou voos de baixo custo, o município já impôs restrições como proibir o uso de cannabis nas ruas, deslocar do centro o porto de chegada dos cruzeiros, e agora acaba de proibir a construção de novos hotéis. Mas para pesos pesados do setor, a prefeitura começa a exagerar a dose e, desta vez, errou o alvo, alega o diretor do hotel Mövenpick, Remco Groenhuijzen. "55% das pessoas que visitam Amsterdã o fazem só durante o dia, portanto não são atingidas pelas novas regras. Temos a impressão de que as medidas atingem justamente os turistas que não causam problemas na cidade”, critica. A reportagem da RFI conversou com Guido, que opera barcos turísticos Shipdock pelos canais de Amsterdã. O serviço integra a rede Bulldog, que começou há 40 anos como um coffee shop e hoje também inclui bares, lojas de lembrancinhas e um hotel na capital holandesa. "Você não pode impedir as pessoas de virem aqui. É impossível. Tentaram na Inglaterra e foi contraprodutivo: falaram para as pessoas pararem de ir lá e o efeito foi o contrário, teve ainda mais gente”, argumenta. "Não precisa regular. Para mim a prefeita é uma idiota e o melhor que poderia acontecer seria ela sair.”…
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