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Cúpula de Montevidéu: cinco pontos que expõem dúvidas e tensões no Mercosul
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Além dos quatro fundadores, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul estreia com a Bolívia como membro pleno. O Panamá também entra para o Mercosul, mas como “membro associado”. Os líderes vão discutir a flexibilização do Mercosul para negociações com terceiros países, o ponto que coloca o Brasil de Lula e a Argentina de Milei em rota de colisão.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
A reunião do Mercosul começa nesta quinta-feira (5) em Montevidéu, no Uruguai, com a reunião de chanceleres, de ministros da Economia e de presidentes dos Bancos Centrais.
A maior incógnita do encontro é se o Mercosul e a União Europeia vão conseguir chegar a um denominador comum quanto ao texto de um acordo de livre comércio. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, acredita que as negociações podem ser concluídas.
Na sexta-feira (6), acontecerá a reunião da cúpula do bloco com os presidentes dos membros plenos. O encontro abordará cinco pontos principais que expõem certezas, dúvidas, alinhamentos e tensões pelas próximas 48 horas de reunião do Mercosul.
1. Adesão da Bolívia e do Panamá
A adesão da Bolívia foi concretizada em agosto do ano passado. Nesta reunião, o presidente Luis Arce estreia como membro pleno do Mercosul, depois de 12 anos como “membro em processo de adesão”. Arce é um aliado do presidente Lula. A Bolívia terá agora quatro anos para incorporar o arcabouço jurídico do bloco, mas já passa a ter direito a voz e voto.
Esse era também o status da Venezuela, suspensa em 2016 por não ter incorporado a normativa do bloco. No ano seguinte, levou uma nova suspensão por “ruptura da ordem democrática”, e permanece nessa situação.
Já o Panamá será o primeiro país da América Central a se tornar membro associado, como outros países da América do Sul. Isso significa que o Mercosul começa a se expandir para a América Central, uma região complementar ao bloco.
Enquanto a América do Sul exporta matérias primas, a América Central as importa. Além disso, importa produtos industrializados, aqueles que geram mais empregos. Depois que o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, assinar o protocolo de membro associado, terão início as negociações comerciais.
“Para o Panamá, é um passo muito importante em matéria de comércio exterior e regional, de relações internacionais e de integração. O acordo nos permitirá explorar vias de livre comércio com os países do Mercosul. Isso dará outra dimensão ao nosso país”, disse o presidente Mulino.
O processo de consolidação da região em torno do Mercosul permite ao Brasil ter essa plataforma de projeção como ator global. Foi o Brasil que abriu as portas para uma negociação rápida, iniciada em julho passado.
2. Acordo com a UE
A maior de todas as dúvidas é se, finalmente, o Mercosul e a União Europeia vão chegar a um entendimento quanto ao texto final de um acordo que crie a maior área de livre comércio do mundo.
“Podemos chegar a um acordo sobre o texto, mas não à assinatura do tratado que requer uma série de processos maiores. Seria histórico porque há 25 anos estamos procurando este importante acordo”, disse o chanceler do Uruguai, Omar Paganini.
Nestas horas, acontecem as últimas negociações que aproveitam a presença dos máximos representantes de cada país juntos em Montevidéu para superarem dificuldades. Esse tipo de negociação chega a um ponto em que os técnicos precisam dos presidentes para decisões políticas finais.
A Comissão Europeia tem mandato para tomar essas decisões, mas, no Mercosul, o presidente de cada país precisa tomar uma decisão que supere os últimos impasses. É nesse ponto em que se encontram as atuais negociações.
Se o texto for fechado, a assinatura do acordo deve acontecer até o final do ano. O secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Mauricio Lyrio, disse estar “esperançoso” quanto ao desfecho. A chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, considera que esta reunião do Mercosul “provavelmente seja a última chance de um acordo”.
3. Brasil de Lula x Argentina de Milei
O presidente argentino, Javier Milei, assumirá nesta sexta-feira (6) a presidência temporária do Mercosul pelos próximos seis meses. Milei poderá dar ênfase à flexibilização do Mercosul para facilitar acordos bilaterais.
O acordo com a União Europeia serviria para diminuir uma tensão que coloca em rota de colisão o Brasil e a Argentina. A “flexibilização” ou “modernização” do bloco está relacionada à regra que impede um país de negociar unilateralmente um tratado de livre comércio com outro.
Essa regra segue uma lógica. O Mercosul é uma União Alfandegária, assim como a União Europeia. E assim como um país da União Europeia não pode negociar individualmente, no Mercosul é a mesma coisa.
Se um país negociar um acordo tarifário, mas o outro não concordar, não há maneiras de um acordo entrar em vigência porque um mesmo produto teria regras e tarifas em cada membro.
4. Formas de negociação
Existem duas formas de uma negociação individual: se o Mercosul recuar a um status de Zona de Livre Comércio. Isso significaria reverter um processo de integração e fazer o bloco voltar ao seu status inicial entre 1991 e 1995.
A segunda forma é se um país avançar numa negociação e depois incorporar os demais membros às mesmas regras. Poderia haver uma flexibilização quanto à velocidade de adesão por parte de cada país, mas o acordo teria de ser o mesmo para todos.
Tanto que o atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, não conseguiu avançar com um Tratado de Livre Comércio com a China, pelo qual pressionou durante três anos.
Agora, quem quer insistir nesse ponto é o presidente argentino. Javier Milei quer um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, aproveitando a sua proximidade ideológica com o eleito Donald Trump.
Esse ponto colide com a visão do Brasil, que pretende manter o Mercosul como uma União Alfandegária, sobretudo depois de um acordo com a União Europeia.
Os negociadores brasileiros, no entanto, veem uma funcionalidade na pressão de Milei: fazer a União Europeia perceber que pode perder para os Estados Unidos a chance de fechar um acordo com o Mercosul.
5. Argentina pode ameaçar sair do bloco?
O acordo com a Europa ajudaria a fortalecer o atual modelo do Mercosul, a posição do Brasil e a afrouxar a postura da Argentina.
Javier Milei quer conseguir uma flexibilização do Mercosul custe o que custar e, se não conseguir, pode até ameaçar sair do bloco, mas esse é um processo desgastante em termos políticos, que requer maioria parlamentar e demanda muito tempo.
No ano passado, durante a campanha eleitoral, Milei disse que “o Mercosul, tal como está, não serve aos interesses argentinos”. “Vamos procurar acordos bilaterais que realmente potenciem o comércio e a prosperidade”, indicou.
Na semana passada, o seu ministro da Economia, Luis Caputo, ponderou: “Não pensamos em sair do Mercosul. Vamos pleitear mais flexibilidade do bloco para fazermos acordos bilaterais. A experiência com a negociação com a União Europeia demonstra que estas negociações são lentas", diz.
"A Argentina precisa abrir-se ao mundo mais rápido”, defendeu Caputo, esquecendo que durante décadas o anterior protecionismo argentino, agora transformado em abertura, foi um dos principais motivos para impedir o acordo.
Alinhamentos políticos
A partir de 1º de março, quando o atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, deixar o cargo, Milei ficará sem nenhum aliado no Mercosul.O chanceler argentino, Gerardo Werthein, há poucos dias, disse que “o Mercosul precisa se abrir ao mundo e que o bloco não foi pensado para ser uma camisa-de-força”.
“Camisa-de-força”, aliás, é justamente o termo que o presidente do Uruguai disse durante três anos, enquanto pressionava por uma “modernização” do Mercosul. O próximo presidente do Uruguai, o eleito Yamandú Orsi, também convidado para participar desta reunião, está em sintonia com a visão de Lula.
“O mundo de hoje nos exige estar muito atentos e as relações entre os países da região têm de ser mais fortes do que nunca”, disse Yamandú Orsi, na sexta-feira passada (29) após reunir-se com Lula em Brasília, primeira visita ao líder com quem mais sintonia tem.
Já o presidente do Paraguai, Santiago Peña, disse nesta semana que “dentro do Mercosul, tudo; fora do Mercosul, nada”.“Eu não acredito que os acordos bilaterais sejam o caminho”, definiu, adotando a postura do Brasil.
Uruguai e Paraguai compartilham a mesma visão de vizinhos mais fortalecidos se negociarem unidos. Também coincidem com uma visão multilateral do mundo.
Já Javier Milei é contra todas as agendas multilaterais e prefere acordos bilaterais. Para o presidente argentino, o alinhamento estratégico e automático é com Washington, mas não está claro que o protecionismo de Donald Trump pouparia os amigos.
Essa tensão entre Milei e Lula, com os demais presidentes alinhados com o Brasil, promete ser um capítulo palpável desta reunião do Mercosul.
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Além dos quatro fundadores, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul estreia com a Bolívia como membro pleno. O Panamá também entra para o Mercosul, mas como “membro associado”. Os líderes vão discutir a flexibilização do Mercosul para negociações com terceiros países, o ponto que coloca o Brasil de Lula e a Argentina de Milei em rota de colisão.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
A reunião do Mercosul começa nesta quinta-feira (5) em Montevidéu, no Uruguai, com a reunião de chanceleres, de ministros da Economia e de presidentes dos Bancos Centrais.
A maior incógnita do encontro é se o Mercosul e a União Europeia vão conseguir chegar a um denominador comum quanto ao texto de um acordo de livre comércio. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, acredita que as negociações podem ser concluídas.
Na sexta-feira (6), acontecerá a reunião da cúpula do bloco com os presidentes dos membros plenos. O encontro abordará cinco pontos principais que expõem certezas, dúvidas, alinhamentos e tensões pelas próximas 48 horas de reunião do Mercosul.
1. Adesão da Bolívia e do Panamá
A adesão da Bolívia foi concretizada em agosto do ano passado. Nesta reunião, o presidente Luis Arce estreia como membro pleno do Mercosul, depois de 12 anos como “membro em processo de adesão”. Arce é um aliado do presidente Lula. A Bolívia terá agora quatro anos para incorporar o arcabouço jurídico do bloco, mas já passa a ter direito a voz e voto.
Esse era também o status da Venezuela, suspensa em 2016 por não ter incorporado a normativa do bloco. No ano seguinte, levou uma nova suspensão por “ruptura da ordem democrática”, e permanece nessa situação.
Já o Panamá será o primeiro país da América Central a se tornar membro associado, como outros países da América do Sul. Isso significa que o Mercosul começa a se expandir para a América Central, uma região complementar ao bloco.
Enquanto a América do Sul exporta matérias primas, a América Central as importa. Além disso, importa produtos industrializados, aqueles que geram mais empregos. Depois que o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, assinar o protocolo de membro associado, terão início as negociações comerciais.
“Para o Panamá, é um passo muito importante em matéria de comércio exterior e regional, de relações internacionais e de integração. O acordo nos permitirá explorar vias de livre comércio com os países do Mercosul. Isso dará outra dimensão ao nosso país”, disse o presidente Mulino.
O processo de consolidação da região em torno do Mercosul permite ao Brasil ter essa plataforma de projeção como ator global. Foi o Brasil que abriu as portas para uma negociação rápida, iniciada em julho passado.
2. Acordo com a UE
A maior de todas as dúvidas é se, finalmente, o Mercosul e a União Europeia vão chegar a um entendimento quanto ao texto final de um acordo que crie a maior área de livre comércio do mundo.
“Podemos chegar a um acordo sobre o texto, mas não à assinatura do tratado que requer uma série de processos maiores. Seria histórico porque há 25 anos estamos procurando este importante acordo”, disse o chanceler do Uruguai, Omar Paganini.
Nestas horas, acontecem as últimas negociações que aproveitam a presença dos máximos representantes de cada país juntos em Montevidéu para superarem dificuldades. Esse tipo de negociação chega a um ponto em que os técnicos precisam dos presidentes para decisões políticas finais.
A Comissão Europeia tem mandato para tomar essas decisões, mas, no Mercosul, o presidente de cada país precisa tomar uma decisão que supere os últimos impasses. É nesse ponto em que se encontram as atuais negociações.
Se o texto for fechado, a assinatura do acordo deve acontecer até o final do ano. O secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Mauricio Lyrio, disse estar “esperançoso” quanto ao desfecho. A chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, considera que esta reunião do Mercosul “provavelmente seja a última chance de um acordo”.
3. Brasil de Lula x Argentina de Milei
O presidente argentino, Javier Milei, assumirá nesta sexta-feira (6) a presidência temporária do Mercosul pelos próximos seis meses. Milei poderá dar ênfase à flexibilização do Mercosul para facilitar acordos bilaterais.
O acordo com a União Europeia serviria para diminuir uma tensão que coloca em rota de colisão o Brasil e a Argentina. A “flexibilização” ou “modernização” do bloco está relacionada à regra que impede um país de negociar unilateralmente um tratado de livre comércio com outro.
Essa regra segue uma lógica. O Mercosul é uma União Alfandegária, assim como a União Europeia. E assim como um país da União Europeia não pode negociar individualmente, no Mercosul é a mesma coisa.
Se um país negociar um acordo tarifário, mas o outro não concordar, não há maneiras de um acordo entrar em vigência porque um mesmo produto teria regras e tarifas em cada membro.
4. Formas de negociação
Existem duas formas de uma negociação individual: se o Mercosul recuar a um status de Zona de Livre Comércio. Isso significaria reverter um processo de integração e fazer o bloco voltar ao seu status inicial entre 1991 e 1995.
A segunda forma é se um país avançar numa negociação e depois incorporar os demais membros às mesmas regras. Poderia haver uma flexibilização quanto à velocidade de adesão por parte de cada país, mas o acordo teria de ser o mesmo para todos.
Tanto que o atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, não conseguiu avançar com um Tratado de Livre Comércio com a China, pelo qual pressionou durante três anos.
Agora, quem quer insistir nesse ponto é o presidente argentino. Javier Milei quer um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, aproveitando a sua proximidade ideológica com o eleito Donald Trump.
Esse ponto colide com a visão do Brasil, que pretende manter o Mercosul como uma União Alfandegária, sobretudo depois de um acordo com a União Europeia.
Os negociadores brasileiros, no entanto, veem uma funcionalidade na pressão de Milei: fazer a União Europeia perceber que pode perder para os Estados Unidos a chance de fechar um acordo com o Mercosul.
5. Argentina pode ameaçar sair do bloco?
O acordo com a Europa ajudaria a fortalecer o atual modelo do Mercosul, a posição do Brasil e a afrouxar a postura da Argentina.
Javier Milei quer conseguir uma flexibilização do Mercosul custe o que custar e, se não conseguir, pode até ameaçar sair do bloco, mas esse é um processo desgastante em termos políticos, que requer maioria parlamentar e demanda muito tempo.
No ano passado, durante a campanha eleitoral, Milei disse que “o Mercosul, tal como está, não serve aos interesses argentinos”. “Vamos procurar acordos bilaterais que realmente potenciem o comércio e a prosperidade”, indicou.
Na semana passada, o seu ministro da Economia, Luis Caputo, ponderou: “Não pensamos em sair do Mercosul. Vamos pleitear mais flexibilidade do bloco para fazermos acordos bilaterais. A experiência com a negociação com a União Europeia demonstra que estas negociações são lentas", diz.
"A Argentina precisa abrir-se ao mundo mais rápido”, defendeu Caputo, esquecendo que durante décadas o anterior protecionismo argentino, agora transformado em abertura, foi um dos principais motivos para impedir o acordo.
Alinhamentos políticos
A partir de 1º de março, quando o atual presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, deixar o cargo, Milei ficará sem nenhum aliado no Mercosul.O chanceler argentino, Gerardo Werthein, há poucos dias, disse que “o Mercosul precisa se abrir ao mundo e que o bloco não foi pensado para ser uma camisa-de-força”.
“Camisa-de-força”, aliás, é justamente o termo que o presidente do Uruguai disse durante três anos, enquanto pressionava por uma “modernização” do Mercosul. O próximo presidente do Uruguai, o eleito Yamandú Orsi, também convidado para participar desta reunião, está em sintonia com a visão de Lula.
“O mundo de hoje nos exige estar muito atentos e as relações entre os países da região têm de ser mais fortes do que nunca”, disse Yamandú Orsi, na sexta-feira passada (29) após reunir-se com Lula em Brasília, primeira visita ao líder com quem mais sintonia tem.
Já o presidente do Paraguai, Santiago Peña, disse nesta semana que “dentro do Mercosul, tudo; fora do Mercosul, nada”.“Eu não acredito que os acordos bilaterais sejam o caminho”, definiu, adotando a postura do Brasil.
Uruguai e Paraguai compartilham a mesma visão de vizinhos mais fortalecidos se negociarem unidos. Também coincidem com uma visão multilateral do mundo.
Já Javier Milei é contra todas as agendas multilaterais e prefere acordos bilaterais. Para o presidente argentino, o alinhamento estratégico e automático é com Washington, mas não está claro que o protecionismo de Donald Trump pouparia os amigos.
Essa tensão entre Milei e Lula, com os demais presidentes alinhados com o Brasil, promete ser um capítulo palpável desta reunião do Mercosul.
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